Monumenti e metodi di valorizzazione é um livro do arquitecto e historiador de arquitectura Carlo Perogalli (1921-2005), publicado pela primeira vez em 1954. O exemplar estudado conta com as anotações do arquitecto Nuno Portas, que estimulam diferentes camadas de leitura e interpretação.

Esta obra narra a evolução do pensamento acerca da intervenção no património desde meados do século XIX até à sua publicação, nos anos 50 do século XX. A tarefa que lhe serve de premissa não pode ser considerada hoje completa, já que passaram mais de 60 anos da sua publicação, mas a sistematização cronológica dos conteúdos faz com que dificilmente se torne desactualizada, mantendo o rigor relativo às teorias apresentadas.

Podemos considerar o texto de Perogalli localizado num ponto de charneira entre as primeiras teorias de restauro e a contemporaneidade, distando em média 70 anos para cada lado da linha temporal. Nesta perspectiva, é curioso compreender a curva de desenvolvimento exponencial, com transformações significativas na produção intelectual sobre restauro e património no início do século XX e relativamente estabilizado a partir desse período. As decisões continuam a ser fundamentadas, essencialmente, nas teorias dos “pais fundadores” – Viollet-le-Duc, Ruskin, Boito – acrescidas de algumas inovações introduzidas pelas Cartas da UNESCO. A este propósito, é também interessante verificar que Perogalli destaca alguns pensadores e arquitectos italianos do segundo quartil do século XX, cujas teorias e interrogações mantêm uma grande actualidade, apesar de o seu diminuto reconhecimento internacional.

Apresenta-se seguidamente uma recensão crítica dos principais autores analisados por Perogalli, mantendo a sua estrutura cronológica:

O restauro até ao século XIX

Até à segunda metade do século XVIII não havia “uma consciência do valor artístico e histórico do monumento como a que possuímos actualmente” (p.30), pelo que a as intervenções sobre o construído – essas sim, sempre existentes – aconteciam apenas como resposta às necessidades de índole prática. Esta constatação era já uma das premissas de Viollet-le-Duc, na entrada Restauro do Dictionnaire Raisonné de l’Architecture.  Perogalli refere alguns exemplos destas práticas, como o pórtico da Abadia de Chiaravalle em Milão (século XVII), a fachada de Santa Maria Novella, de Leon Battista Alberti (1404-1472), ou o templo Malatestiano, também de Alberti. (poderemos considerar Alberti como o primeiro dos restauradores?)

O final do século XVIII chega acompanhado de um “renovado interesse pelas obras de arte da antiguidade clássica” (p.34), sendo representativa deste período o decreto da nova república francesa que incita ao respeito pelos monumentos, alegando:

I barbari e gli schiavi detestarono le scienze e distrussero i monumenti, gli uomi liberi li amano e li conservano.

O restauro em França no século XIX

Em oposição à valorização exclusiva dos monumentos clássicos surge em França, no século XIX, o movimento medievalista, que procura contribuir para a identificação e preservação de um estilo arquitectónico nacional. No centro deste movimento, encontra-se Viollet-le-Duc (1814-1879), um dos máximos expoentes do restauro neste período (p.40):

O passado é passado, mas é necessário estudá-lo com rigor, com sinceridade e tentar não fazê-lo reviver mas conhecê-lo, para que nos sirva.

A posição teórica de Viollet-le-Duc pode ser sistematizada na afirmação anterior, em tudo coerente com o que viria a registar mais tarde no seu romance didático Histoire d’une Maison. Perogalli, no entanto, segue os rótulos e preconceitos que desde cedo contaminaram as teorias de Viollet-le-Duc, e que perduram até aos dias de hoje. Alega que a nova intervenção deveria mimetizar (formalmente) as partes autênticas do monumento, o que considera “Siffata teoria sul restauro dei monumenti può ora far ache sorridere” (p.42). Independentemente da sua obra construída, que reflecte contextos sociais e temporais muito específicos, a sua obra teórica parece ter sido largamente mal interpretada, já que esta apelava mais à compreensão do significado e das motivações que originaram determinadas formas do que à sua reprodução acrítica. O próprio Perogalli cita, algumas páginas antes (p.40):

Não posso admitir que se imponha a reprodução dos antigos, dos povos medievais e da Academia de Luís XIV, porque estas formas eram a expressão dos costumes do seu tempo, e os nossos costumes do século XIX não se parecem com os dos gregos, nem dos romanos, nem com os das épocas feudais.

A obra teórica de Viollet-le-Duc foi fonte de polémica desde o seu início e Perogalli associa à sua obra a decisão do Ministério da Educação e do Culto francês de emitir uma circular, em 1849, apelando (provavelmente pela primeira vez) à conservação preventiva dos monumentos, a fim de evitar o restauro: “uma manutenção inteligente deve sempre preveni-lo” (p.43). Vigora, desde então, mesmo que omissa, a seguinte lei:

O primeiro e inflexível princípio consiste em não inovar.

Os movimentos ingleses e a teoria de Ruskin

Entendido como um dos principais opositores às teorias de Viollet-le-Duc, Ruskin (1819-1900) foi em Inglaterra o mais relevante teórico do restauro. Defende a pura conservação do monumento, como um documento histórico, uma teoria “que pode parecer agnóstica, derrotista, (…) que excului a intervenção do restaurador (…) e até consente e subscreve o decaimento e a ruína” (p.48). Porém, Perogalli relaciona esta opção com o contexto inglês do século XIX, onde o medievalismo “encontrou em Inglaterra um terreno particularmente adaptado” (p.45), pois na tradição arquitectónica inglesa, essencialmente medieval, o classicismo teve relativamente pouca expressão. Assim, enquanto que Viollet-le-Duc se deparou em França com o problema do não reconhecimento de uma arquitectura local, o mesmo não aconteceu na Inglaterra. Este assunto será mais tarde retomado por Françoise Choay, que encurta as distâncias entre os dois pensadores. A influência do movimento revivalista de Morris é importante para Ruskin (p.47) e podemos encontrar nos seus discursos pontos de contacto com Viollet-le-Duc:

Devemos conhecer a fundo a arquitectura gótica, compreender o que foi e o que é: (…) esta  tradição afirma um princípio estrutural que envolve as formas no espírito da mais pura verdade, seguindo as condições de uso do material e da técnica construtiva.

O restauro em Itália e a reacção de Boito

Neste clima cultural, destaca-se, em Itália, Camillo Boito (1836-1914) que, segundo Perogalli, pronunciou “a palavra verdadeiramente nova – e até revolucionária – na história da teoria do restauro” (p.56), segundo o slogan “Conservare non restaurare” (p.57). Os detalhes da sua teoria foram já enunciados no artigo Os Restauradores, mas da análise de Perogalli – e à luz da prática contemporânea – destaca-se a seguinte crítica à aplicação prática das teorias de Viollet-le-Duc (p.57):

(…) é preferível um restauro mal feito a um restauro bem feito. Enquanto que o primeiro, beneficiando da ignorância, me deixa claramente distinguir a parte antiga da moderna, o segundo, com admirável ciência e astúcia, faz parecer antigo o novo, coloca uma tal preocupação no ajuizamento que o deleite de contemplar o monumento desaparece, e o estudá-lo se torna um esforço irritante.

O papel de mediação assumido pela primeira vez por Boito é posteriormente reinterpretado pelos pensadores italianos subsequentes, que continuam nas décadas seguintes a propor releituras críticas das posições extremadas em Viollet-le-Duc e Ruskin.

O restauro histórico

A obra de restauro do Castelo Sforzesco, em Milão, é considerado por Perogalli um claro exemplo do restauro histórico, defendido por Luca Beltrani (1854-1933). Distingue-se assim o restauro estilístico ou analógico anterior (uma vez mais remetendo para Viollet-le-Duc), que procura a analogia formal – por vezes inventiva ou arbitrária -, do restauro histórico baseado na exaustiva pesquisa documental que permita fundamentar a reconstrução (p.66).

A Carta de Atenas

A carta de Atenas, de 1931, é o primeiro método geral consolidado para as intervenções de restauro, sistematizados em 10 pontos. O segundo, remete desde logo para a necessidade de considerar a manutenção preventiva dos monumentos, abandonando “as restituições integrais e evitando os riscos instituindo a manutenção regular e permanente para assegurar a conservação dos edifícios” (p.73). É particularmente interessante o décimo ponto (p.75), que já salienta a importância do envolvimento das comunidades, pois:

La migliore garanzia di conservazione dei monumenti e delle opere d’arte venga dell’affetto e del rispetto del popolo.

Giovannoni e o restauro científico

Giovannoni (1873-1948) propõe uma definição mais alargada de monumento, que deve contemplar não apenas os edifícios pela amplitude da sua dimensão, importância histórica e valor artístico, mas também “qualunque construzione del passato, anche modesta, che abbia valore d’arte e di storica testimonianza”, permitindo assim compreender e valorizar as condições externas que constituem o ambiente de um complexo monumental (p.83).

Na sequência do que foi primeiramente formulado por Boito, Giovannonni propõe uma teoria de mediação entre as reconstituições de Viollet-le-Duc e a ruína de Ruskin. O restauro científico caracteriza-se essencialmente por dois pontos (p.86):

  1. favorire anzitutto le opere di manutenzione, di riparazioni, di restauro, di consolidamento, nel quale ultimo sono pienamento ammessi, quando ocorre, i mezzi e i procedimenti della técnica moderna;

  2. in questa opera di rinforzo ottenere il mínimo necessário per la stabilitá senza esagerazioni di rinnovamento, considerando come cosa essenziale l’autenticità delle struture.

Também fundamentado, com rigor histórico, no conhecimento do edifício e da documentação existente, distingue-se do restauro histórico por não propor a reconstrução mas apenas uma intervenção mais minimalista, essencialmente técnica e não formal, de reparação e reforço. Apesar disso, Giovannoni distingue entre edifícios maiores e menores, sugerindo diferentes métodos e soluções, classificados em 5 tipos (p.88):

  1. Restauro de consolidação – essencialmente técnico, limita-se ao mínimo necessário, depois da inspecção cuidada das lesões e das suas causas;
  2. Restauro de recomposição – ou anastilose, que reúne e recompõe fragmentos dispersos do monumento na sua posição original;
  3. Restauro de libertação – liberta o monumento de acrescentos privados de carácter artístico, mas respeita as partes válidas, independentemente do seu período histórico;
  4. Restauro de conclusão – evita a reconstrução e a inovação, mas permite que sejam adicionadas novas partes a fim de alcançar um todo integral; é aceitável apenas em partes acessórias e intervenções pontuais;
  5. Restauro de inovação – adiciona partes essenciais, de nova concepção; é totalmente rejeitado segundo critérios de intervenção mais rígidos, mas considerado, por vezes, necessário.
Annoni e a negação do método

Em 1946, Ambrogio Annoni (1882-1954) nega a possibilidade de existência de um método geral de restauro que possa considerar-se universalmente válido, proclamando o “princípio do não-método” que tem como única regra a análise caso a caso (p.91). Opõe-se ao restauro estilístico que procura a homogeneidade de uma arquitectura – a medieval – precisamente pautada pelo seu carácter fragmentário, e critica a eliminação de elementos de valor artístico e cultural de épocas posteriores. Mas opõe-se também ao restauro histórico, por propor reconstruir a partir dos documentos tudo aquilo que entretanto deixara de existir (p.92).

Annoni classifica genericamente os monumentos a restaurar em 3 categorias, às quais associa diferentes critérios de intervenção: os edifícios mortos, tais como as ruínas arqueológicas, deverá proceder-se à mera conservação; nos edifícios vivos, que se podem usar e habitar, recomenda o restauro de sistematização; por fim, nos monumentos periclitantes, propõe-se a consolidação (p.92). No entanto, o próprio afirma que na execução prática estes critérios se fundem, daí a necessidade de analisar cada caso singular.

Este princípio do caso a caso não é, no entanto, sinónimo de “livre-arbítrio”. Annoni recomenda a cuidada preparação do restauro: “estudar profundamente o monumento, interroga-lo com o rigor do historiador, com a paixão do artista, com o amor do arquitecto” (p.93), recorrendo aos necessários exames históricos, técnicos e artísticos, através do levantamento rigoroso (p.94). Assim, “o próprio edifício indicará as possibilidades do seu renascimento” (p.99), afirmação que parece ter inspirado a conhecida metáfora “deixar falar o edifício”, de Solà-Morales, décadas mais tarde.

Deste autor destaca-se ainda a pertinência e actualidade da sua definição de valorização, em oposição ao passivo conceito de restauro, salientando a importância de garantir que estes continuam ma fazer parte dos tecidos urbanos modernos (p.95):

Questi edifici derivano la loro importanza o dalla stroia, o dall’arte, o da entrambe; essi però non devono essere “mummificati”, cioè semplicemente conservati come cose morte. Per restauro si deve intendere oggi “avvaloramento” dell’edificio. Questa parola varrà meglio di quella di “restauro” sinora usata.

A este propósito, recomenda a valorização não apenas dos grandes monumentos ou edifícios singulares, mas também dos conjuntos urbanos. O restauro deve assim fugir “da estéril conservação, mas estimular um novo fervor de vida”, sendo urgente e imprescindível conservar “la documentazione in atto, in vita, dell’opera architettonica per sè, come fatto artístico”(p.96) – protegendo as cenas domésticas que constituem as cidades, referidas por Pamuk.

Ainda que concordando com a necessidade de adaptar a intervenção às especificidades do edifício, considerado “o carácter, a natureza e o estado de conservação”, De Angelis (1907-1992) é crítico do não-método proposto por Anonni, por considerar que esta posição optimista confia demasiado no livre-arbítrio e interpretação, arriscando cair no empirismo e na contradição (p.105). Apesar de salientar esta diferença, De Angelis defende, tal como Annoni e Giovannoni antes deste, a valorização da “arquitectura menor” (p.109):

(…) sono tuttavia altamente apprezzabili e degne di salvaguardia l’aspetto d’insieme o i particolari aggrupamenti ambientali, da riguardarsi come altrettante unitarie opere d’arte.

Tendências e experiências “recentes”

Por fim, Perogalli apresenta algumas posições da discussão italiana acerca da intervenção no património construído suas contemporâneas, das quais se destacam três nomes Agnoldomenico Pica (1907-1990), Giuseppe Cultrera (1877-1967) e Armando Dillon (sem data). Curiosamente a informação disponível online sobre os três é escassa, mas alguns dos temas abordados mantêm uma grande actualidade e pertinência.

Pica distingue na sua análise 4 tipos de restauro: a recomposição estilística (associada a Viollet-le-Duc), a desintegração livre (associada ao ruinísmo de Ruskin), o restauro científico (proposto por Giovannoni) e, por fim, o restauro arquitectónico, que o próprio defende. Atribui à teoria de Viollet-le-Duc o risco de conduzir a reconstruções arbitrárias; acusa a teoria de Ruskin de renúncia passiva. Valoriza no restauro científico o facto de ter recentrado o restauro na conservação dos monumentos e ter “superado o velho preconceito sobre o uso de novos materiais e meios” (p.122). No entanto, não o considera suficiente, já que o considera meramente técnico, que coloca o monumento “numa espécie de atmosfera de limbo que não é verdadeiramente sua nem é verdadeiramente nossa” (p.123). Assim, ao contrário de Giovannoni, Pica defende “a efectiva introdução do monumento antigo num ambiente respeitoso mas autenticamente, sinceramente moderno” (p.124). Sobre este tema, são interessantes as considerações que Pica tece acerca das conservações mais puristas, que alheiam o monumento da vida quotidiana (p.123):

…il monumento finisce per essere guardato e salvato e rimesso in sesto più come una preziosa scheda per specialisti, nella qualle tutto è leggibile e chiaro, che come cosa viva. Pare insomma che l’edificio antico, il monumento (…) non debbano già rientrare nella vita con una funzione estetica preminente (…), non rivivere e diventare una cosa nostra, di tutti, nella compagine della città nuova, ma essere là squadernati e appuntati (…) per le effimere consultazioni di questi famosi studiosi, solo per essere fotografati, rilevati, commentati e consegnati le mille volte nelle più o meno leggibili pagine delle “memorie”, (…) dei “contributi”, delle storie dell’arte, specimen preziosissimi custoditi (…) nell’ideale museo dell’alta arqueologia e dell’alta critica. Ancor una volta fuor della vita.

Na mesma linha de pensamento, Giuseppe Cultrera é também crítico do “predomínio quase absoluto” do restauro científico, com o “único objectivo: a conservação”, que considera mais adequada para “os objectos de museu”, ou para “obras de arquitectura reduzidas ao estado de ruína” (p.127) mas que:

não é teoricamente nem praticamente sustentável que esse critério seja adoptado para edifícios ainda em uso, que são organismos vivos e não corpos mortos.

Armando Dillon, então Superintendente dos Monumentos da Liguria, considera que “a acção dos organismos de tutela deveria ter limites: precisamente onde se inicia a obra do artista arquitecto” (p.131). Crítica o restauro enquanto “trabalho científico e de pura técnica” que destitui o arquitecto da sua autonomia e, como afirma Perogalli, “da legitimidade de existência de arquitectura moderna não só na envolvente do monumento, mas no próprio monumento” (p.131). Armando Dillon defende a possibilidade de uma intervenção contemporânea, mas contextual, que parte das especificidades do existente para criar algo novo (uma reflexão relançada pela intervenção Fearless Girl):

Come opera d’arte, invece il restauro non è più un restauro, ma una nuova opera d’arte che há, nell’opera restaurata, la sua condizione di essere e la sua materia.

Estas preocupações, recorrentes nos anos 50, continuam hoje sem uma resolução adequada, talvez porque, como aponta Perogalli na sua conclusão, as diferentes questões têm sido abordadas de modo sistemático de forma isolada, quando seria necessário que fossem entendidas “na viva e multiforme realidade das coisas” (p.136), encarando na sua totalidade os “múltiplos aspectos: artísticos, técnicos, económicos, urbanos, compositivos, etc.”